Bacia Hidrográfica, Uso do Solo e Mudança Climática: uma relação indissolúvel

Imagem de satélite mostrando o antes e depois da região de Porto Alegre (RS) nas inundações de
maio de 2024.
Fonte: UOL, 2024

Com as inundações no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, ficou evidente que o zoneamento e o ordenamento territorial são instrumentos fundamentais para a gestão sustentável das bacias hidrográficas. As consequências da sua não implementação são devastadoras. Exemplos similares recentes, em outras áreas do Brasil, são eloquentes (Litoral Paulista em 2023, Rio de Janeiro 2024, etc. etc. etc.). As explicações são várias, mais as relações entre mudança climática e uso e ocupação do solo são pouco discutidas. Essa relação é complexa e multifacetada, com várias interações e feedbacks. Assim, emissões de GEE na conversão de florestas em áreas agrícolas ou urbanas, as alterações nos padrões climáticos locais e regionais produto da urbanização intensiva, as mudanças nos ciclos hidrológicos afetando a evapotranspiração dos vegetais, a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos aumentando o risco das comunidades por erosão do solo e deslizamentos e, os ciclos de retroalimentação que podem desencadear sinergias que amplificam os efeitos das mudanças climáticas, são algumas dessas
interações.
Vemos que a relação entre a mudança climática e o uso e ocupação do solo é bidirecional e complexa, com impactos significativos no clima, na paisagem e na sustentabilidade dos ecossistemas. Assim, é necessária a avaliação dessa interação ao desenvolver políticas públicas e práticas de planejamento urbano, gestão de recursos naturais e mitigação e adaptação às mudanças climáticas. A mudança climática já é uma realidade (mesmo que existam resistências de alguns setores em admiti-la). Mas, como o ordenamento territorial pode contribuir para mitigar seus efeitos? Cinco
pontos devem ser levados em consideração e, ter como unidade de planejamento a bacia hidrográfica.

  1. Conservação dos Recursos Naturais: O zoneamento permite identificar áreas de conservação, recuperação e uso sustentável dos recursos naturais, como florestas, solos e recursos hídricos. Isso é crucial para proteger a qualidade da água nas bacias hidrográficas.
  2. Prevenção de Desastres Naturais: O ordenamento territorial ajuda a evitar o desenvolvimento desordenado em áreas vulneráveis a desastres naturais, como inundações e deslizamentos de terra. Ao delimitar zonas de risco e estabelecer regulamentações adequadas é possível minimizar danos e proteger vidas e propriedades.
  3. Promoção do Desenvolvimento Sustentável: Ao definir áreas para diferentes usos (agricultura, indústria, áreas urbanas, preservação ambiental) o ordenamento territorial permite um desenvolvimento mais equilibrado e sustentável das bacias hidrográficas. Isso leva em consideração tanto as necessidades presentes quanto as futuras das comunidades locais e do meio ambiente, ou seja, sustentabilidade do ecossistema.
  4. Melhoria da Qualidade da Água: O zoneamento deve incluir medidas para proteger as áreas de captação de água e os corpos de água, garantindo que as atividades humanas não comprometam a qualidade da água. Isso é essencial para preservar os ecossistemas aquáticos e garantir o abastecimento de água potável para as comunidades.
  5. Coordenação de Ações e Planejamento Integrado: O ordenamento territorial envolve a coordenação entre diferentes setores governamentais e partes interessadas, incluindo autoridades locais, organizações da sociedade civil e comunidades locais. Isso facilita o planejamento integrado e a implementação de políticas e projetos que abordam os desafios complexos relacionados ao uso da terra e dos recursos hídricos.

Em resumo, o zoneamento e o ordenamento territorial (OT) são ferramentas essenciais para promover o uso sustentável dos recursos naturais e garantir a saúde e a resiliência das bacias hidrográficas, contribuindo para o bem-estar das comunidades e a conservação do meio ambiente.
Cabe agora a pergunta sobre o motivo pelo qual ainda não implementamos um verdadeiro ordenamento territorial na escala da bacia hidrográfica (embora existam iniciativas nos Comitês de Bacias nos diferentes estados brasileiros e na ANA, no nível federal). Por um lado, temos uma complexidade institucional que envolve a coordenação de várias agências governamentais em diferentes níveis (nacional, estadual, municipal) assim como a participação de todas as partes interessadas (não somente setores que realizam pressões em prol dos seus interesses individuais). Existe também falta de recursos financeiros e técnicos que permitam a efetiva implementação do ordenamento territorial. Há falta de capacidade institucional para implementar o OT, em termos de qualificação, expertise técnica e capacidade administrativa. Finalmente, também é necessária a tomada de decisões sobre o uso e ocupação do solo, que não sejam influenciadas politicamente para tentar promover um desenvolvimento económico rápido (e somente de alguns setores), que não comprometam a integridade ambiental da bacia hidrográfica.
A implementação do OT em uma bacia hidrográfica pode ser desafiadora devido a uma série de fatores, como foi enumerado. Superar esses desafios requer um compromisso de longo prazo. por parte de todas as partes interessadas e um enfoque integrado que leve em consideração os objetivos
de desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente.

Veja mais